domingo, 3 de abril de 2022

Correndo

Ela me maquiava, me maquiava e olhava atentamente os traços do meu rosto, eu sentia o pincel gelado passando perto da pálpebra, ela me perguntou o que eu fazia:

- Estou me formando em 

- Ah, deve ser legal, mas deve ser puxado também

- É sim, não vejo a hora de acabar

- Eu não sei até hoje o que estou fazendo da vida

Ela parecia ter tanta certeza do que estava fazendo e vivendo, eu nunca esperaria uma frase dessas de uma mulher como ela. 

- Eu namoro mas não sei se devia namorar, não sei se é cedo, ou tarde, não sei, simplesmente foi acontecendo e estou aqui

Ela riu, de forma leve, constrangida de sua própria existência. Aquele riso mais parecia desespero. Eu reconheço ele pois eu ria do mesmo jeito. Eu ri igual. 


Ele me cortava as asas. S. me cortava as asas. Não sei explicar de forma mais honesta que isso. Não gostava do meu batom, não gostava da minha meia arrastão, não gostava dos meus shorts curtíssimos que mostravam a papada da bunda, se irritava comigo arrumada. Fazia questão de falar que estava irritado, demonstrava de qualquer jeito ou maneira. Uma vez fomos em um evento de rock psicodélico e eu me arrumei, ele ficou a noite toda de cara fechada, sendo frio, me tratando mal. Mas não era ciúmes, nunca, ele não teria ciúmes de mim. Nunca. Era um homem feito, ganhava o suficiente para manter todos os seus luxos.


Esses episódios foram se repetindo até eu virar uma sem graça do caralho. Até ele remover todo meu brilho como quem remove maquiagem antes de dormir (com água micelar no fim de uma noite de festa), daquela forma cansada, horrenda, nojenta, suada. Eu fazia tudo direito mas nunca era o suficiente.

- Você faz de propósito, Janaina

- O que?

- Essas roupas, esses shorts, você tem pernas que chamam atenção, parabéns, chamou atenção de todo cara que tava naquela merda de show

- Eu sou magricela, ninguém liga, bem

Ri alto. Por dentro queria morrer. Nunca ninguém fez eu me sentir mal por uma roupa curta. 

Vocês sabem o que mais dói nisso tudo? Eu me perdi de mim mesma, eu continuei assistindo as mesmas coisas e ouvindo o mesmo de sempre mas eu não podia ser eu mesma, eu não podia rir alto em uma mesa, não podia fazer piada com sexo, não podia me vestir do jeito que me achava bonita. Para ele, tudo era ofensivo. Me apagou. Mas sei que ele está pagando por ter me apagado. Quem apaga as outras pessoas só apaga por um motivo facilmente notável: Não brilha. 

Você nunca vai brilhar e conquistar pessoas incríveis do jeito que eu conquisto, eu sinto muito por você. Sei que tua amargura vai te levar para locais bem ruins e o pior de tudo: Não vai ter gente que brilha lá, você vai ter apagado geral.